Resenha: O renascimento pop de Grimes com 'Art Angels'
Passados 3 anos do lançamento do ótimo ‘Visions’, a canadense Claire Boucher, mais conhecida como Grimes, lança oficialmente nessa sexta seu quarto disco de estúdio, o aguardado ‘Art Angels’. Será ele capaz de superar o disco anterior e mudar a imagem que a cantora possui após o single “Go”, lançado em 2014? É o que tentarei responder nas próximas linhas.
‘Art Angels’ foi concebido sob uma nuvem de dúvidas por parte dos fãs e crítica. Após o mau desempenho do single “Go” – canção originalmente escrita para a cantora Rihanna – em 2014, com sua recepção ruim e alegações de que havia “se vendido”, Grimes engavetou o projeto e começou a reescrever o novo trabalho do zero, fazendo com que o lançamento do quarto trabalho (naquela época ainda sem título) fosse atrasado em mais de um ano.
2015 chegou e após lançar a demo de “Realiti” e sua parceira com Bleachers em “Entropy” para a série Girls, Grimes finalmente forneceu mais detalhes sobre ‘Art Angels’, junto com seu primeiro single, “Flesh Without Blood”. Acompanhada de um clipe super colorido repleto de cenas bizarras, com direito à Grimes encarnando vampiros do século XVIII em uma quadra de basquete, ainda mais dúvidas surgiram sobre a qualidade do registro que estava por vir, mesmo a canadense alegando que a sonoridade do álbum seria diferente do single anterior.
‘Art Angels’ é um divisor de águas na carreira da produtora canadense. Os experimentalismos, sintetizadores e ecos vistos nos trabalhos anteriores agora estão em segundo plano, dando espaço a guitarras, percussão, “hey-heys” e (muitos) floreios pop, o que dá a obra um caráter muito mais orgânico.
As mudanças são perceptíveis desde “laughing and not being normal”, faixa de abertura do trabalho, criada sobre uma cama de cordas, pianos e a delicada voz de Grimes conduzindo a mistura. Em seguida, somos apresentados à “California”, uma das canções mais acessíveis do registro, com seu pé no country e sua letra sobre um relacionamento que faz mal à Boucher.
Continuando a audição do registro, nos deparamos com “Scream”, terceira música a ser revelada pela cantora antes do lançamento do álbum. A parceria com a rapper taiwanesa Aristophanes preenche a cota de faixas experimentais do registro, com percussão tribal, guitarras e, como o título sugere, muitos gritos.
Em seguida vem a primeira amostra do disco e atual faixa responsável pela divulgação do trabalho, em parceria com “Life in the Vivid Dream”. “Flesh Without Blood” é uma canção pop redondinha sobre libertação de um amor que faz mal, capaz de conquistar qualquer um que ainda não se sentiu tocado pela nova investida de Grimes até o presente momento. Completamente radiofônica, a faixa é uma das coisas mais interessantes já lançadas pela artista até agora.
“Belly Of The Beat” traz ecos, violões ágeis, guitarras pontuais e percussão evidenciada em sua composição, funcionando como uma boa faixa de condução do trabalho. Não chega a ser ruim, mas não se destaca dentro da obra no geral, sendo apenas “ok” no contexto do álbum.
“Kill V. Maim” é uma das maiores surpresas do disco. Sua introdução no melhor estilo vídeogame antigo acompanhada de batidas fortes, guitarras espertas e dos vocais mais interessantes que nunca de Boucher fazem da faixa um dos grandes destaques do disco, ganhando o ouvinte à primeira audição. Uma ótima aposta para single.
A faixa que dá título ao trabalho conta com uma instrumentação totalmente anos 90. Acompanhada de guitarras, synths discretos e percussão interessante, “Artangels” carrega o peso de faixa-título com muita competência e graça, sendo uma das melhores composições do álbum.
“Easily” possui um caráter quase acústico em sua composição, com sua introdução feita apenas por pianos e os vocais de Claire. Juntam-se à canção uma bateria pontual no refrão, funcionando de forma simples, mas eficiente, garantindo à faixa um crescimento suave no seu decorrer. É muito interessante ver a musicista se aventurar em águas distantes do que está acostumada, além de garantir um respiro ao disco, que já passou da metade até o momento.
“Pin” é mais uma das faixas que não chegam a ser ruins, mas não se destacam tanto no meio de canções tão boas. A canção bebe das mesmas referências vistas anteriormente, mas o principal destaque fica a cargo do seu refrão, que pode ficar na cabeça por um bom tempo.
Após “Pin” encontramos – ou melhor, reencontramos – uma velha conhecida, mas de cara nova. Divulgada em março, “Realiti” ganhou uma roupagem ainda mais eletrônica que a vista em sua demo, mas mantendo os acertos existentes, sem soar carregada demais e sem soar crua como a primeira versão. É difícil que seja lançada como single, visto que a versão demo possui um clipe, mas se tratando de Grimes, tudo é possível.
“World Princess part II” é a continuação de “world princess”, vista em 2011 no segundo disco da garota, ‘Halfaxa’. Enquanto a primeira parte conta com uma construção um tanto orgânica, composta por ecos, percussão forte e vocais espectrais, na segunda vemos um contraste enorme em relação à primeira, indo de encontro ao pop, com direito à elementos 8-bit e sonoridade chiclete, sendo mais um dos destaques do trabalho.
A faixa a seguir é uma das parcerias mais inusitadas da música, na opinião desse blog. Imagine uma mistura entre o R&B e soul de Janelle Monáe e a estranheza agora pop de Grimes. Quase inconcebível, não? Mas ela existe, e seu nome é “Venus Fly”. A faixa conta com construção toda baseada em elementos eletrônicos e sendo levada pelos vocais de Monáe, junto ao coro cantado por Grimes. Destaque para os solos pós-refrão e o de violinos no final da canção.
Quase encerrando o disco, somos apresentados à segunda faixa a ser divulgada pela artista – e single duplo junto com “Flesh Without Blood”. “Life in the Vivid Dream” funciona como outro breve respiro dentro do trabalho, com seus violões e os vocais agora suaves da canadense.
“Butterfly” é a canção escolhida pela produtora para encerrar ‘Art Angels’. Mais uma faixa de construção essencialmente pop, é a composição que vai te querer fazer tocar o disco todo de novo. É a música pela qual valeu a pena ouvir todo o quarto trabalho da musicista canadense. “Butterfly” consegue reunir a estranheza de todos os discos anteriores ao espírito da atual fase, sendo o casamento perfeito dos dois universos já contemplados por Grimes. A junção dos vocais modificados digitalmente, sua composição eletrônica e elementos vistos anteriormente certamente funcionam como um ótimo resumo de tudo o que Claire Boucher fez até agora, em seus pouco mais de 6 anos de carreira.
‘Art Angels’ é um dos discos mais aguardados do ano. Além disso, é um dos mais curiosos, pois foi possível ver nele uma Grimes que não conhecíamos, ou melhor: não estávamos muito acostumados a ver. O trabalho é a prova de que o mundo pop e os experimentalismos da cena alternativa podem coexistir em paz, e o mérito deve ser todo dado à Boucher, por conseguir domar duas forças com extrema habilidade e maestria, entregando uma produção coerente, interessante e bem construída.
Muitos podem sentir falta das fases anteriores da cantora, mas ‘Art Angels’ serve principalmente para atestar que Grimes é uma artista extremamente versátil e digna de estar entre os maiores nomes da cena alternativa mundial.
Ouça: o disco todo.